Essas artes que chamo também de CARTAZES DE LAMENTO começaram a ser pensados a partir do mote VOCÊ JÁ CHOROU NO PÉ DO CABOCLO? Expressão popular da Bahia, que se consolidou com a instalação da estátua do Caboclo na Praça 2 de Julho, em 1895, nessa época a elite soteropolitana queria afastar o povo da figura pouco católica afro-ameríndia. A expressão é usada ora como consolo, ora como troça. Quando alguém fica se lamentando e o interlocutor acha que o problema não tem solução diz "vá chorar no pé do Caboclo", como quem diz "vá amolar outra pessoa". Mas se a intenção for consolar o significado muda para algo como "peça ao Caboclo que ele podendo, vai lhe atender". Aqui apresento alguns resultado criativos desse percurso de lamento coletivo.
A arte inicial foi desenhada em 2020, ano marcado pelo temor em meio pandemia de SARS-COVID-19, não houve préstito ao 2 de Julho nesse ano. As regras sanitárias limitavam a circulação nas ruas, mas decidi colar essa série, coerente com o clima apreensivo na cidade, decorrente dos altos índices de mortalidade no Brasil e das políticas desastrosas do governo federal vigente. Esse cartaz faz uma colaboração com o público, a arte pergunta ao interlocutor se ele já chorou no pé do Caboclo e o convida a compartilhar sua história conosco, através de perfil na rede social.
O desenho traz uma perspectiva exagerada do Caboclo subjugando o dragão, de modo que o pé do Caboclo fique no 1º plano, pressionando o rosto da serpente acima do letreiro principal que pergunta “você já chorou no pé do Caboclo?” e traz etiquetas destacáveis na parte debaixo do impresso, que o transeunte pode arrancar e levar consigo a resposta. Essa interação permite a participação do público com a arte urbana, o personagem da devoção julhiense está ao alcance. A arte desse cartaz foi adaptada para exposição na Câmara Cadeia de Maragogipe em 2022, destacando o personagem e trazendo o nome do Caboclo dessa cidade do recôncavo bahiano, Jaguaraci. Em 2023, destacamos a frase e simplificamos a composição para o formato de adesivo, permitindo mais versatilidade da aplicação.
O adesivo/sinalização de 2022 era uma arte urbana camuflada/ mascarada no cenário, através de uma estética que usa a linguagem da sinalização tão comum nas paredes, postes e prédios. Feita com adesivo vinílico e fita de demarcação, onde o gesto artístico atua como transformação do ambiente, colado no espaço público, local de passagem ou de espera, de modo discreto, posicionado a parecer que fazia parte daquele espaço desde sempre ou está ali para retificar.
Em 2023 surgiu uma versão poética, diversos olhos compõem um pé que chora. É um choro coletivo, uma dor compartilhada. Ainda não consegui elaborar uma idea organizada e estrutura sobre essa ideia (com tenho feito referente a outras obras), mas ele me move e inquieta, acredito que esse tema, do Chorar no Pé do Caboclo, tem muitas formas a se revelar.
Você já chorou no pé do Caboclo?
Chorou sozinho,
Não contou para ninguém?
Engoliu choro
Por se sentir envergonhado?
Oi foi um pranteado acompanhado
Num abraço apertado?
Você já chorou no pé do Caboclo?
Se sua lágrima encontrou a minha,
Se sua dor é nossa,
Contra um mal comum que a todos aflige.
Chore, mas não chore em vão,
Cada lágrima conforta quem desabafa,
Sal que escorre para a boca e a anima o coração.